A noite não era estrelada.
Escuridão pura, sem nem mesmo a lua para iluminar. Eclipse total. Patrícia
inspirou fundo o cheiro da solidão. Solidão pútrida, e agradável.
A brisa gélida bateu em seu rosto fazendo-a lembrar-se dos meses dolorosos trancafiada
na casa que deveria ser seu lar. Lar esse que lhe providenciara mais sofrimento
do que felicidade.
Lembrou-se da mãe caindo pelos
cantos, o cheiro da bebida terrivelmente insuportável. Lembrou-se do padrasto,
homem inescrupuloso, miserável. Lembrou-se
da vida hedionda que levava até o tão esperado dia. Ela não conseguira nem
mesmo esperá-lo chegar oficialmente. Arrumara as malas e à meia-noite de seu
próprio aniversário de dezoito anos já se encontrava naquela solidão amigável.
“Bem vinda à liberdade”, ela
diria.
Quando amanheceu, Patrícia seguiu
até a lojinha da praça. Guardara dinheiro de bicos e trabalhos durante anos
para aquele dia e, desde sempre, soubera o que faria primeiro quando tudo
acontecesse.
Tatuou sua liberdade. A pequena
borboleta em preto-e-branco no início de sua nuca indicava que agora era livre.
Só, porém feliz. Liberta de todo o mal que tivera que enfrentar a vida inteira.
Respirou lentamente, observando o
céu negro. Sentiu que podia voar para dentro daquela imensidão obscura – como
fora sua vida até então. E esperar pelo nascer do sol, pelo calor que aqueceria
sua pele, pelo sorriso que seria pregado em seu rosto, pela felicidade que
sonhara praticamente desde que nascera e pela cor que a liberdade pintaria em
seu novo mundo.
0 criaturas relataram nesta postagem:
Postar um comentário