quarta-feira, 28 de março de 2012

CH: Solidão



A noite não era estrelada. Escuridão pura, sem nem mesmo a lua para iluminar. Eclipse total. Patrícia inspirou fundo o cheiro da solidão. Solidão pútrida, e agradável. A brisa gélida bateu em seu rosto fazendo-a lembrar-se dos meses dolorosos trancafiada na casa que deveria ser seu lar. Lar esse que lhe providenciara mais sofrimento do que felicidade.
Lembrou-se da mãe caindo pelos cantos, o cheiro da bebida terrivelmente insuportável. Lembrou-se do padrasto, homem inescrupuloso, miserável. Lembrou-se da vida hedionda que levava até o tão esperado dia. Ela não conseguira nem mesmo esperá-lo chegar oficialmente. Arrumara as malas e à meia-noite de seu próprio aniversário de dezoito anos já se encontrava naquela solidão amigável.
“Bem vinda à liberdade”, ela diria.
Quando amanheceu, Patrícia seguiu até a lojinha da praça. Guardara dinheiro de bicos e trabalhos durante anos para aquele dia e, desde sempre, soubera o que faria primeiro quando tudo acontecesse.
Tatuou sua liberdade. A pequena borboleta em preto-e-branco no início de sua nuca indicava que agora era livre. Só, porém feliz. Liberta de todo o mal que tivera que enfrentar a vida inteira.
Respirou lentamente, observando o céu negro. Sentiu que podia voar para dentro daquela imensidão obscura – como fora sua vida até então. E esperar pelo nascer do sol, pelo calor que aqueceria sua pele, pelo sorriso que seria pregado em seu rosto, pela felicidade que sonhara praticamente desde que nascera e pela cor que a liberdade pintaria em seu novo mundo.

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