Fora um bom jantar.
A conversa fluíra naturalmente,
não houvera espaços de silêncio entre um assunto e outro, o homem aparentava
ser interessante e bem instruído. Professor de ensino médio, separado, pai de
uma menina. Tudo parecia caminhar para o fim de encontro ideal.
E, então, eles pediram a conta.
“Eu pago.”
A mulher encarou-o, meneando a
cabeça em forma de negação. Não era irritação que lhe tomava o corpo, pois
dessa fase já passara há muito tempo – lá para depois de uma dezena de
encontros. Estava sinceramente desapontada.
“Não precisa, a gente divide”,
tentou inutilmente salvar a situação. Já sabia, porém, ser caso perdido, porque
homens tendiam a entender essa frase como mera demonstração de educação.
Não era.
“Que isso. Eu faço questão”,
declarou, galanteador, já mexendo na carteira para fazer o trabalho sujo.
“Você esteve aqui hoje? Nesse
mesmo encontro que eu?” Ele parou o que fazia, estranhando a pergunta. Seu
cenho se franziu enquanto a olhava, pronto para perguntar do que diabos ela
falava. “Você ouviu uma palavra do que eu disse? Aliás, você realmente
concordou com as palavras que eu disse? Não! Nem precisa responder. Sua atitude
já demonstra que você absorveu apenas o que queria.”
O homem abriu a boca, atônito, considerando
a possibilidade de a mulher ser louca.
“Do que voc...?”
“Olha, querido, você é um cara
legal e provavelmente se daria muito bem com a maioria das mulheres. Só que eu não sou como a maioria das mulheres.
‘Ah, que frase clichê!’ alguns diriam, mas eu não falo isso porque me acho
muito mais interessante e bonita do que a maioria. Se você tivesse realmente
ouvido tudo o que falei esta noite, você já teria entendido por que estou
agindo feito louca. O problema é que eu estou cansada de banalizarem o
feminismo, de utilizarem dele apenas o que lhe serve e jogar fora o resto. ‘Queremos
igualdade de direitos!’ ‘Mulheres merecem ser tratadas iguais aos homens!’ Aí essa
mesma feminista que fala isso, vai num encontro mais tarde e deixa o cara pagar
a conta toda. Faça mil favores! Pra que pedir salários iguais, então, se no
final das contas é ela quem sai ganhando? Quer receber dinheiro e deixar os
outros pagarem pelo seu lazer? Daqui a pouco os homens vão à falência e vai ser
criado o ‘Bolsa Encontros’ só para vocês conseguirem nos bancar. De certa
forma, eu até entendo que você não tenha cogitado a possibilidade de eu ser uma
feminista de verdade, apesar de estas
estarem quase extintas no Brasil, e eu sinto muitíssimo mesmo por estar dando
este surto. Eu só estou extremamente cansada de insistir em ajudar a pagar a
conta e vocês olharem para mim como se eu fosse uma bonequinha de porcelana. Eu
trabalho, eu ganho meu próprio dinheiro, eu me sustento e eu sou independente. Não dependo de pais, família, amigos E MUITO
MENOS DE HOMEM! Então, pelo amor de Deus, dá próxima vez, ouça o que a mulher a
sua frente está falando em vez de filtrar apenas o que te interessa.”
O silêncio que se estendeu foi
longo, longuíssimo. O restaurante inteiro parara para o discurso interminável.
Era possível ouvir-se o tique-taque do relógio, o choque de copos pousando nas
mesas, o zumbido dos mosquitos que voavam pelo ambiente. Nenhuma palavra foi
dita por um minuto inteiro. E, quando o homem falou, foi com um fiapo de voz.
“Eu só estava tentando ser
cavalheiro”.
E com um bufar irritado, a mulher
jogou uma nota à mesa, o guardanapo na cadeira e foi embora zangada,
perguntando-se se não deveria virar machista e explorá-los até o último centavo
ou simplesmente comprar um aparelho de ouvido para seu próximo encontro.
Que desperdício!