domingo, 25 de março de 2012

CH: O sorriso do tormento



Meu olhar estava grudado no telefone. Gotas de água salgada lavavam meu rosto, escorriam por minha boca e trilhavam seu caminho sem importar a direção. Porém, o olhar ainda estava no telefone. Como se apenas minha força de vontade fosse capaz de fazê-lo tocar (era isso mesmo que eu queria? Ou era eu quem queria usá-lo? Pra falar o quê? Pra ligar pra quem? Já nem sei mais). O relógio me encarava à espera, sorria debochado para mim.
“Ela nunca ligará”. Eu deveria?
Peguei o fone.
“E agora?”, perguntei-lhe tolamente.
“Não há ninguém”.
E chorei de novo.
As lembranças vieram em flashes, relembrando-me da minha dor – necessidade, angústia e aflição. Era um mar de desilusão. Adentrando cada poro de minha pele. Inundando cada vaso sanguíneo, encharcando órgãos, mas murchando coração. As lágrimas, entretanto, apenas continuavam vindo.
Meu corpo tombou languidamente na cama e, quase que instantaneamente, o grito da minha solidão reverberou pelo quarto, acordando cada mísero objeto do cômodo. E riram. As imagens rodopiavam em meu campo de visão. Gargalhadas e deboches. Deboches e gargalhadas. E o sorriso.
O sorriso me marcou.
Era zombeteiro e astuto, como o gato de Cheshire. Pronto para dar o bote. Pronto para me atormentar com o motivo real do meu desengano. Era o telefone que vinha em minha direção. Gargalhava, debochava e sorria. Sorria, debochava e gargalhava. E vinha. E vinha. E vinha...

Acordei assustada. As gotas em meu rosto eram apenas de suor. O quarto estava inundado com as cores da aurora – estático. Meu olhar seguiu, imediatamente após, ao telefone. E eu o tomei em mãos sem medo, discando o número já decorado.
“Oi.” Meu suspiro de alívio foi descomunal. “Aconteceu alguma coisa?”
“Apenas fantasmas do passado.” Pausei. “Só precisava ouvir sua voz para afugentá-los”.

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