quinta-feira, 29 de março de 2012

CH: E de sobremesa: feminismo



Fora um bom jantar.
A conversa fluíra naturalmente, não houvera espaços de silêncio entre um assunto e outro, o homem aparentava ser interessante e bem instruído. Professor de ensino médio, separado, pai de uma menina. Tudo parecia caminhar para o fim de encontro ideal.
E, então, eles pediram a conta.
“Eu pago.”
A mulher encarou-o, meneando a cabeça em forma de negação. Não era irritação que lhe tomava o corpo, pois dessa fase já passara há muito tempo – lá para depois de uma dezena de encontros. Estava sinceramente desapontada.
“Não precisa, a gente divide”, tentou inutilmente salvar a situação. Já sabia, porém, ser caso perdido, porque homens tendiam a entender essa frase como mera demonstração de educação.
Não era.
“Que isso. Eu faço questão”, declarou, galanteador, já mexendo na carteira para fazer o trabalho sujo.
“Você esteve aqui hoje? Nesse mesmo encontro que eu?” Ele parou o que fazia, estranhando a pergunta. Seu cenho se franziu enquanto a olhava, pronto para perguntar do que diabos ela falava. “Você ouviu uma palavra do que eu disse? Aliás, você realmente concordou com as palavras que eu disse? Não! Nem precisa responder. Sua atitude já demonstra que você absorveu apenas o que queria.”
O homem abriu a boca, atônito, considerando a possibilidade de a mulher ser louca.
“Do que voc...?”
“Olha, querido, você é um cara legal e provavelmente se daria muito bem com a maioria das mulheres. Só que eu não sou como a maioria das mulheres. ‘Ah, que frase clichê!’ alguns diriam, mas eu não falo isso porque me acho muito mais interessante e bonita do que a maioria. Se você tivesse realmente ouvido tudo o que falei esta noite, você já teria entendido por que estou agindo feito louca. O problema é que eu estou cansada de banalizarem o feminismo, de utilizarem dele apenas o que lhe serve e jogar fora o resto. ‘Queremos igualdade de direitos!’ ‘Mulheres merecem ser tratadas iguais aos homens!’ Aí essa mesma feminista que fala isso, vai num encontro mais tarde e deixa o cara pagar a conta toda. Faça mil favores! Pra que pedir salários iguais, então, se no final das contas é ela quem sai ganhando? Quer receber dinheiro e deixar os outros pagarem pelo seu lazer? Daqui a pouco os homens vão à falência e vai ser criado o ‘Bolsa Encontros’ só para vocês conseguirem nos bancar. De certa forma, eu até entendo que você não tenha cogitado a possibilidade de eu ser uma feminista de verdade, apesar de estas estarem quase extintas no Brasil, e eu sinto muitíssimo mesmo por estar dando este surto. Eu só estou extremamente cansada de insistir em ajudar a pagar a conta e vocês olharem para mim como se eu fosse uma bonequinha de porcelana. Eu trabalho, eu ganho meu próprio dinheiro, eu me sustento e eu sou independente. Não dependo de pais, família, amigos E MUITO MENOS DE HOMEM! Então, pelo amor de Deus, dá próxima vez, ouça o que a mulher a sua frente está falando em vez de filtrar apenas o que te interessa.”
O silêncio que se estendeu foi longo, longuíssimo. O restaurante inteiro parara para o discurso interminável. Era possível ouvir-se o tique-taque do relógio, o choque de copos pousando nas mesas, o zumbido dos mosquitos que voavam pelo ambiente. Nenhuma palavra foi dita por um minuto inteiro. E, quando o homem falou, foi com um fiapo de voz.
“Eu só estava tentando ser cavalheiro”.
E com um bufar irritado, a mulher jogou uma nota à mesa, o guardanapo na cadeira e foi embora zangada, perguntando-se se não deveria virar machista e explorá-los até o último centavo ou simplesmente comprar um aparelho de ouvido para seu próximo encontro.
Se as coisas continuassem daquela maneira, ela acabaria ficando para titia.
Que desperdício!

1 criaturas relataram nesta postagem:

Ah, muito bom o conto!

Agora parei pra pensar que a feminista que um dia já fui, deixou de existir desde ano passado quando decidi que iria explorar qualquer cara que cruzasse o meu caminho por pura mesquinharia mesmo, sou sovina um pouco com relação a sair com garotos, eles que paguem, porque em quantos rolês/encontros furados me meti - ok, só uns dois - e eu acabei dando uma de: não, vamos dividir, antes de começar a conversar e no final, pensar: OH, GOD! ONDE FUI ME METER e ter que pagar e pensar depois: Gastei tudo aquilo e o papo foi uma merda!!! :S

Beigos!

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