Ouvia o chilro dos pássaros e o bater de
suas asas. Se fechasse os olhos e prendesse a respiração, conseguiria até mesmo
descrever suas ações – o balançar de suas cabeças, o contato entre dois ou mais.
Entretanto, quando abria os olhos e procurava-os com o olhar, só encontrava o
nada. Vez ou outra a traseira de um deles revelava seu esconderijo. Assim que se
percebiam achados, no entanto, voavam para longe, rápido o suficiente para que
ela os perdesse de vista – como se fugissem de uma assombração.
Não era assombração alguma. Era apenas Rafaela (era pior, ela
acreditava).
A mulher compreendia que não era sua
presença que afugentava os seres daquele ambiente tão tranquilo. Era a sua
aura, a nuvem negra que carregava acima de sua cabeça. Guardava dentro de si
uma espécie de melancolia, da qual tentava desgarrar-se, mas
parecia prender-se cada vez mais em seu corpo, como um carrapato extremamente inconveniente.
Não queria ser assim – ou viver assim. Queria livrar-se do
sofrimento que havia seu peito e deixar as apreensões de lado para viver sua
vida em paz, sem se preocupar diariamente com o futuro e com as possibilidades
(e livrar-se da esperança que crescia como fermento, aumentava sua expectativa
e puxava seu tapete com força quando sua querida companheira, a frustração,
resolvia dar as caras). Havia momentos em que ela quase chegava a sentir como
era essa liberdade que tanto almejava: quando saía para a faculdade ou para o
trabalho, por exemplo, onde encontrava seus colegas; ela distraí-se, abstraía
tudo o que rondava seus pensamentos, e permitia-se sorrir por instantes com as
brincadeiras e conversas banais. Era preciso apenas distanciar-se por um
momento das outras pessoas para que a dor a atingisse com tal força que se
tornava quase impossível chegar a sua casa antes de afogar-se em lágrimas.
Rafaela ergueu-se do chão, saindo debaixo da
sombra da árvore em que se refugiara, e deu alguns passos à frente. Parou no
centro da clareira e olhou para o céu somente para sentir a ardência provocada
pela luz do sol, forte, que pairava no ponto mais alto daquela imensidão azul.
O dia era bonito, contrastando com o clima acinzentado dentro de si.
Gritou de supetão. Um grito tão forte que
afugentou novamente os pássaros de seu habitat. Um grito tão longo que, quando
terminou, ainda ecoou por alguns segundos. Um grito tão doloroso que fez várias
folhas verdes se despenderem das árvores. Um grito tão intenso que lhe sugou as
forças. Tombou em seguida, de fraqueza, no campo gramado. Não chorou, ou
contorceu-se de dor. Expulsara todos os seus sentimentos com o berro agourento
de segundos antes. Apenas observou o céu, desejando ficar ali para sempre, sem
precisar levantar-se e encarar novamente aquela semivida que levava.
Os segundos arrastaram-se com dificuldade.
Ela mesma sentia-se sem força para fazer qualquer movimento. Considerou ficar
ali até a escuridão engoli-la por inteiro; deixar-se-ia à mercê da vida noturna
da floresta, correndo até o risco de ser devorada no sentido muito além do
figurado. Perguntou-se se alguém a procuraria. Preocupar-se-iam com seu sumiço?
Sentiriam sua falta?
As perguntas sem resposta acumularam-se em
seu peito e mente. A dúvida correu por seu corpo, corroeu suas entranhas.
Pagaria pra ver.
Então ficou.
E ficou...
2 criaturas relataram nesta postagem:
Já falei que você é foda? Pois é.
Quando poderei ir à livraria buscar um livro teu?
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